Posso dizer que as minhas primeiras experiências como diretor de uma obra audiovisual nunca serão vistas por ninguém. Isso, porque elas simplesmente não foram gravadas. Acho que deveria ter por volta dos 10 anos, quando, com um pedaço de cano e um rádio a pilhas velho da minha avó, fiz minha primeira “câmera”. Obviamente, não era uma câmera. Mas eu a empunhava como tal, e com ela brincava com minhas primas de set de filmagem. Depois, com cerca de 14 anos, na sétima série, aconteceu minha primeira experiência próxima de fazer cinema: uma versão de “Os Caça-Fantasmas” feita em teatro para a escola, pra aula de Educação Artística. Tinha que ter algo relacionado ao folclore, pois a peça era pra comemorar isso, então enfiamos um lobisomem no meio. A peça fez sucesso, as pessoas aplaudiram, fizemos diversas apresentações e eu fiquei por algum tempo sendo reconhecido no bairro pelas crianças menores como um dos Caça-Fantasmas. Citei tudo isso aqui, porque assistir a essa comédia ingênua e maravilhosa me fez lembrar demais dessas experiências.
Do mesmo Michel Gondry que nos deu o maravilhoso “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” (pra mim, um filme definitivo em trazer a tela a dura e traumática experiência que é perder aquele amor perfeito imperfeito que nos completa de maneira tão deliciosa e dolorosamente errada), Be Kind... É uma comédia que, de certa forma, fala sobre um advento tecnológico que ficou tão rapidamente arcaico para mostrar algo que a cada dia se torna mais freqüente e, com certeza, um reflexo direto da tecnologia e do fenômeno Youtube: pessoas que nada sabem sobre cinema, fazendo seus próprios filmes, simplesmente pelo amor que tem a essa arte/meio de comunicação que existe há pouco mais de cem anos, mas que de é com certeza a maior influência cultural que uma arte já conseguiu fazer ao mundo. Pois, independe de língua, independe de padrões.
No filme, Jack Black e Mos Def são dois loosers, que trabalham em uma locadora de fitas VHS em meio à transição desta mídia para o DVD. Um dia, um acidente que transforma Black em uma espécie de homem eletromagnético, apaga todas as fitas da loja. Eles decidem, então, pra não se enroscarem com o dono da loja que viajou e deixou o negócio em suas mãos, refilmar os títulos pedidos. O primeiro filme a ser feito, é Os Caça-Fantasmas. Confesso que há muito tempo não ria tanto e de forma tão verdadeira em um filme como nos momentos que os dois improvisam recursos totalmente absurdos para colocar na fita um dos meus filmes preferidos da infância (e um dos responsáveis por me fazer querer cinema). Acontece que as pessoas gostam das versões patéticas que os dois produzem dos sucessos hollywoodianos, e isso acaba fazendo com que a velha e decadente videolocadora tenha sucesso. Eles passam então a chamar os filmes de versões “suecadas”, feitas sob encomenda. E mais e mais títulos são produzidos.
Comicamente, as cenas das suecadas são com certeza as mais engraçadas. As tentativas de refazer de forma mambembe clássicos como King Kong ou 2001 são absolutamente geniais, e fazem a diversão de qualquer cinéfilo. Mas o filme vai além disso. Gondry, de forma implícita, acaba questionando, através desses personagens e dos filmes suecados, o próprio fazer filmes, bem como a força do dinheiro e dos próprios direitos autorais. Em um momento em que os filmes ficam cada vez mais caros, mais frios e menos criativos em termos de idéia e de roteiro, uma reflexão dessas é algo extremamente saudável. Hoje, o Youtube tem mais força que a TV, cantores e ícones pops começam a ser construídos por ali, e o cinema, torna-se cada vez menos interessante e cede lugar a outros veículos (até mesmo a TV, que trabalha com orçamentos muito menores, tem se mostrado muito mais forte em construir esses ícones ao trabalhar com idéias muito mais originais).
Esse amor, essa vontade de parecer na tela e de fazer seu próprio cinema, simplesmente porque gostar de fazer, me lembrou nomes como Ed Wood (ou vai dizer que Plan 9 From Outher Space não é uma perfeita suecada de um filme de ficção cientifica) e também o nosso camelo-cineasta Simeão Martiniano. Pessoas que, sem o dito talento e mesmo o conhecimento, fizeram seus filmes com uma paixão, criatividade e coração que, penso já há muito tempo, tanto faz falta aos filmes hoje tão tecnicamente perfeitos, feitos em escolas de cinema ou com recursos e estilo dos filmes publicitários
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